domingo, 12 de maio de 2013

A Expedição de Cabral – Parte III: Da partida de Vera Cruz as Índias


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 Mapa de 1502, já mostrando a indicação da terra "recém-descoberta por Cabral

A viagem de Vera Cruz á Calicute

Nos dias que se sucederam a partida de Cabral da terra de Vera Cruz, possivelmente entre 2 ou 3 de maio, sua frota navegou ao longo da costa brasileira na direção sul por mais de mil quilômetros, só se afastando dela na altura de Cabo Frio, no atual Rio de Janeiro o que começaria a mudar a noção sobre o tamanho do território “recém-descoberto”. Daí em diante, navegando a sudeste, a frota de Cabral iria passar por uma série de infortúnios e desastres. No dia 23 de maio, nas proximidades do Cabo da Boa Esperança uma tempestade provocou pesadas baixas aos lusos: as embarcações de Aires Gomes, Simão de Pina, Luís Pires e Bartolomeu Dias – o mítico navegador que fora o primeiro a cruzar o Cabo das Tormentas - afundaram e junto delas quase 400 tripulantes foram engolidos pelo mar. Os navios que restaram se separaram no mar, se reencontrando somente no dia 16 de Julho na ilha de Quiloa, na costa do atual Quênia. Em fins de julho, os navios pararam para reparos nas proximidades de Sofala.De Sofala a frota foi para Melinde, onde aportou no dia 2 de agosto de 1500. Lá obteve do Xeque Omar um piloto hindu que lhes instruiriam até Calicute.
A nau de Diogo Dias não conseguiu se reagrupar a frota de Cabral e se tornou o primeiro navio europeu que se tem notícia a navegar no Mar Vermelho. Incapaz de atravessar até as Índias retornou á Portugal, chegando a Lisboa com apenas sete homens. O restante foi vitimado pelas doenças, pela fome e pela sede no mar.

Chegada a Calicute

Era 13 de setembro de 1500. Mais de seis meses após a partida de Lisboa, finalmente a frota de Cabral alcançava seu principal objetivo: as Índias. Durante três meses os portugueses permaneceram em Calicute, um opulento centro comercial, onde mercadores árabes negociavam a gerações. Os portugueses ficaram maravilhados com as riquezas que fluíam pela cidade indiana, e os hindus e árabes ficaram espantados com o estrondo das armas lusas. Em fins de setembro, por ordens de Cabral membros da elite religiosa de Calicute foram capturados e mantidos como reféns nos navios portugueses por ordens de Cabral. O Samorim de Calicute (“Senhor do Mar”) convidou Cabral para um encontro. Cabral entregou-lhe a carta de Dom Manuel que fora escrita  em árabe pelo fidalgo Duarte Galvão, além de presenteá-lo com moedas de ouro e prata, e seda. Bem diferente dos presentes baratos dados por Vasco da Gama. Satisfeito com os presentes que recebera, o Samorim deu permissão á Cabral para que ele instalasse feitoria no porto da cidade. Mas enfim isso não agradou em nada os concorrentes árabes.
No dia 16 de dezembro de 1500, a feitoria portuguesa foi atacada por cerca de trezentos árabes e hindus, causando a baixa de cinqüenta portugueses, entre eles Pero Vaz de Caminha e o feitor Aires Correa. A reação portuguesa foi imediata: Calicute foi bombardeada ininterruptamente por dois dias, causando muitas mortes e danos a cidade. Navios árabes no porto tiveram suas mercadorias confiscadas pelos lusos, foram incendiados e afundados e seus cerca de 600 tripulantes foram mortos. A revolta foi graças á sucessivas vantagens no comércio que os portugueses receberam do Samorim. 
Após o conflito os portugueses se dirigiram ao reino de Cochim ao sul, reino rival de Calicute. Lá fora permitido aos portugueses a instalação de uma feitoria.

A Volta pra Casa

No dia 16 de janeiro de 1501 com os navios abarrotados de especiarias e os negócios garantidos nas Índiasgats, Cabral retornava á Lisboa. Após atravessar o Oceano Índico a nau de Sancho de Tovar ficou encalhada num banco de areia. Vista a impossibilidade de resgatá-la foi incendiada. Em 22 de maio, desta vez sem imprevistos, a frota cruzava o Cabo da Boa Esperança.
Em 23 de junho de 1501, o primeiro navio da frota de Cabral aportou em Lisboa: a caravela Anunciada. Cabral chegou um mês depois em 23 de julho, sendo recebido pelo rei em seu palácio de verão em Santarém. Os navios que Cabral trouxera das índias renderam muitos lucros á Portugal, provocando alterações nos preços por toda Europa.
Mas uma vez o rei Dom Manuel vangloriou os feitos portugueses frente aos sogros e rivais reis Fernando e Isabel da Espanha. Á partir daí as viagens as Índias se tornariam freqüentes e anuais: era a “Carreira das Índias”

Referências Bibliográficas
BUENO, Eduardo – A vigem do descobrimento – Um outro olhar sobre a expedição de Cabral.
CAMINHA, Pero Vaz – Carta a El-Rei D.Manuel.
SALVADOR, Frei Vicente do – História do Brasil por Frei Vicente do Salvador.
PEIXOTO, Afrânio – História do Brasil.

A Expedição de Cabral – Parte II: A chegada a Ilha de Vera Cruz

   Primeiros contatos com as tribos de Vera Cruz 
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Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro em 1500 - Oscar Pereira da Silva, 1902.

    23 de abril de 1500. Ao alvorecer, os navios de Cabral permaneciam ancorados a 36 km da costa. Já nas primeiras horas essa distância seria vencida, e logo estariam a 3 km da praia na foz de um pequeno rio, e ao fundo encontrava-se o monte Pascal. Pelas areias da praia 7 ou 8 homens surgiram e logo uns 20 estariam aglomerados por ali. Após se reunir com seus capitães na nau-capitânia, Cabral decidiu enviar Nicolau Coelho, Gaspar da Gama - o judeu da índia, que falava árabe e dialetos hindus – um escravo de Angola, mais um tripulante da Guiné.  A bordo de um pequeno batel, ao chegar a foz de um pequeno rio, os portugueses incumbidos do primeiro contato ficaram perplexos: homens pardos e nus, sem nada que lhes cobrissem as vergonhas, cabelos coloridos, corpos depilados e pintados com tintura de jenipapo, penas coloridas na cabeça e nas orelhas. Ao se aproximar da terra firme, os nativos cercaram o bote armados com arcos e setas (flechas) impregnadas de venenoso sumo de mandioca. Nicolau ao perceber que poderiam ser atacados fez sinal para que abaixassem as armas. Antes de descerem do pequeno bote, jogou a praia um gorro vermelho – típico dos tripulantes portugueses – e sua carapuça de linho. Os indígenas instantaneamente lhe retribuíram com um cocar de penas de aves e com um colar de contas brancas. Assim se deu o primeiro contato. Os indígenas encontrados no sul da Bahia por Cabral se tratavam da tribo dos Tupiniquins, pertencentes ao grande grupo Tupi-Guarani. Ao passar do dia, Nicolau Coelho voltou a nau para se reunir com Cabral e os outros capitães, levando seus presentes e a primeira impressão que aquele estranho povo lhe causara. A noite foi chuvosa, tendo alguns navios se “desgarrado do restante”, porém não foram muito longe. No límpido dia que se seguiu os portugueses ergueram as âncoras e partiram ao norte em busca de um lugar onde pudessem reabastecer-se  de lenha e água fresca.  Após percorrer cerca de 65 km, a frota ancorou-se na foz do rio Mutari, nas proximidades da atual cidade de Porto Seguro.

O dia em que os índios descobriram a cruz e os portugueses
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A primeira missa, Victor Meirelles - 1860

Logo ao ancorar na foz do Mutari, Cabral logo tratou de designar Afonso Lopes, piloto da nau-capitânia para sondar o porto, a bordo de um esquife (pequeno barco). Logo de cara, se deparou no interior da baía com dois homens de fisionomia idêntica aos encontrados no dia anterior, que foram capturados e levados a presença de Cabral e seus capitães. Ao encontro, a imagem daqueles portugueses de sangue nobre, pouco impressionaram os índios. Já a reação dos portugueses foi bem impactante. Sobre o aspecto daqueles nativos, Pero Vaz de Caminha relatou: “a feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem-feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura. Não fazem o menor caso de cobrir suas vergonhas, e nisso são tão inocentes quanto em mostrar o rosto”. Outra coisa que chamara atenção foram os adornos que carregavam no beiços, seus enfeites e plumas. No navio de tudo lhes fora servido, quase tudo rejeitado ou cuspido. Ao cair da noite dormiram no convés.
Ao raiar o sol no dia seguinte, sábado 25 de abril, Cabral ordenou que os navios adentrassem a baía, por se tratar de lugar seguro. Ao ancorar pediu a Nicolau Coelho e Bartolomeu Dias que levassem aqueles homens a terra firme, porém antes presenteou os nativos com camisas, toucas vermelhas e um rosário. Além disso, os portugueses aproveitariam a ida à praia para encher os tonéis dos navios com água fresca.
Ao desembarcar na praia mais de vinte nativos estavam ali e ajudaram os portugueses a encher os tonéis de água. Como agradecimento, os índios receberam miçangas e guizos. Ainda na praia, os tripulantes que ali estavam viram as primeiras mulheres. Sobre elas também relatara Caminha: “tão moças e tão gentis, com cabelos muito pretos e compridos, e suas vergonhas tão altas, tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha”. Ao cair da tarde os portugueses retornaram as suas naus.
No dia seguinte, domingo 26 de abri, domingo de “pascoela” (o primeiro após a páscoa), Cabral ordenou que um altar fosse erguido na parte emersa do ilhéu da Coroa Vermelha. Ali, Dom Henrique e seus frades cantaram a missa.  Durante a missa, a praia se encheu de nativos que ficaram perplexos com os rituais complexos da missa católica. Ao término da missa, os indígenas se colocaram a cantar e dançar por algum tempo. Após a reunião com seus capitães e o almoço a bordo, os tripulantes foram dispensados para a tarde de folga. Muitos foram para praia, inclusive Diogo Dias que levou seu gaiteiro e se pôs a dançar com os índios. Naquela tarde tudo era festa. Foi nesse contexto que Caminha fixara a imagem do “bom selvagem” na carta ao Rei Dom Manuel.
Na segunda-feira 27 de abril, a ida de portugueses ao litoral e o reabastecimento continuaram, assim como o escambo entre lusos e nativos. Gorros vermelhos eram trocados por papagaios e araras. Pela graciosidade e diversidade dessas aves a terra de Vera Cruz foi conhecida por certo tempo como A Terra dos Papagaios. No fim da tarde, Afonso Ribeiro e Diogo Dias acompanhados por outros dois homens caminharam por cerca de 10 km até chegar à aldeia. ”Na povoação havia nove ou dez casa, tão compridas cada uma, como essa nau capitânia. Eram de madeira, cobertas de palha; todas duma só peça, sem nenhum repartimento” conforme relatou Caminha. Nessas casas havia muitas redes e em cada uma se acomodavam entre 30 e 40 nativos. Naquela noite, os portugueses que lá estavam foram convidados a cear, porém foram impedidos de pernoitar por lá.
      Na quarta 29 de abril, iniciavam-se os preparativos para a partida dos portugueses. O pequeno navio de mantimentos (“naveta”) foi esvaziado e sua carga foi distribuída entre as outras naus. Caberia a essa pequena embarcação levar a notícia a el-rei Dom Manuel sobre a “descoberta” do novo território. No ultimo dia do mês de abril, ao ira apanhar mais lenha e água os navegantes lusos se depararam com uma pequena multidão de cerca de 400 nativos, dispostos a ajudá-los na tarefa e pela primeira vez estavam desarmados.
Na sexta, primeiro dia de maio fora erguida a primeira cruz na terra “recém - descoberta”. Portando bandeiras da Ordem de Cristo, mais de mil homens seguiram rumo ao rio Mutari cantando em procissão, a qual logo se juntou 150 nativos. Ao chegar ao meio da baía, a cruz foi fincada. Os portugueses se ajoelharam e a maioria dos nativos presentes também. Era a segunda missa no “Brasil”. Dom Henrique pregou aos presentes e ao fim seus freis distribuíram crucifixos de estanho aos indígenas. A cruz tinha por intenção ao mesmo tempo simbolizar a devoção daqueles navegantes e assegurar a posse da terra a el-rei Dom Manuel.
No dia 2 de abril, a nau de mantimentos sob o comando de Gaspar Lemos seguiu em direção a Portugal, levando amostras vegetais, animais e minerais recolhidos na nova terra. Arcos, flechas, cocares, bodoques, pedras de pequeno valor além das primeiras toras de pau-brasil extraídas na região e das araras dadas pelos nativos foram mandados para Lisboa. Junto à tripulação, um tupiniquim também partia. Este seria recebido com alegria e festa pelo rei. Junto à notícia iam também as cartas que Cabral, seus capitães, os escrivães, os fidalgos mais nobres e os principais religiosos escreveram ao Rei, entre elas a Carta de Pero Vaz de Caminha, e também cartas e mensagens enviadas pelos tripulantes aos seus familiares. Por vezes essa nau é chamada de Nau das Saudades, uma vez que a maioria dos marujos que enviaram suas cartas jamais regressaria.

A Carta de Pero Vaz de Caminha
Ficheiro:Reading of the letter of Caminha.jpg 
Francisco Aurélio de Figueiredo e Melo, Caminha lê a carta a Cabral e Dom Henrique 
 
A Carta de Pero Vaz de Caminha é considerada a fonte mais confiável e detalhada para a reconstituição dos primeiros dias no Brasil, sendo que nenhum outro documento sobre o fato é tão preciso e bem redigido como a carta escrita por Caminha, ainda em Porto Seguro a bordo da nau capitânia, antes do prosseguimento da expedição as Índias. Na verdade, o escrivão oficial da expedição era Gonçalo Gil Barbosa. Mas se Caminha não era o escrivão da expedição onde ele se encaixava dentro da expedição?

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Face original da Carta a El-Rei Dom Manuel

Caminha tinha sido “escalado” para ser o escrivão da feitoria que Cabral pretendia fundar em Calicute. Na época ele tinha em torno de 50 anos de idade e era membro da “burocracia letrada e média, mais próxima da burguesia do que da autêntica nobreza”, como afirma Jaime Cortesão. Com o tempo a obra de Caminha caiu na obscuridade e ficou esquecida no Arquivo Nacional na Torre do Tombo. Assim, outras obras passaram a ser referência para o primeiro contato entre lusos e indígenas, assim como a viagem de Cabral. Em 1817, o Padre Manuel Aires do Casal encontrou uma cópia da carta no Arquivo da Marinha Real do Rio de Janeiro, que a reproduziu e tornou-a pública. Com a Independência em 1822 ela ganhou particular importância para o Brasil, por se tratar do primeiro registro de sua existência.  
Continua.

Notas:
  1.  O termo descobrimento fora utilizado entre parênteses devido a sua carga de eurocentrismo, o que denota que a posse da terra pertencia a Portugal, rejeitando que por aqui já houvesse habitantes, no caso os povos nativos.
  2.  Teorias sobre o “descobrimento” são amplamente divulgadas. Uma corrente defende a casualidade, outra a intencionalidade da descoberta. Existem indícios que a chegada ao território tenha sido intencional, portanto até hoje não se chegou á uma conclusão definitiva.
  3. Outra polêmica se refere a expedições luso-espanholas que antecederam a de Cabral e navegaram pela costa do Brasil e foz do Amazonas. Suas conseqüências foram irrelevantes, sendo a de Cabral a que causou mais efeitos – a incorporação do território aos domínios portugueses e de forma lenta. Sobre isso, Capistrano de Abreu afirma que o “descobrimento sociológico” coube mesmo aos lusos.

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Continuação em:
A Expedição de Cabral - Parte III: Da partida de Vera Cruz as Índias

sábado, 11 de maio de 2013

A Expedição de Cabral – Parte I: Da Partida á chegada a terra de Vera Cruz


Mas afinal, quem era Cabral?

       Poucos documentos existem sobre Pedro Álvares Cabral no período anterior a sua expedição.Sabe-se que sua família mantinha vínculos de longa data com a Coroa Portuguesa. Seu trisavô teve papel importante na Batalha de Aljubarrota, em 1385 e provavelmente por isso tornou-se alcaide-mor (espécie de governador) da região do Castelo de Belmonte. 

Cédula de Mil Cruzeiros - Brasil -Pedro Álvares Cabral
    Provavelmente sua indicação ao comando da expedição se deveu, ao bom casamento contraído com D. Isabel de Castro neta do Rei Dom Henrique de Castela, e ao fato de ser membro da Ordem de Cristo. Pedro Álvares provavelmente era somente o chefe militar, cabendo o comando a homens como Pero Escobar.

A Expedição
     
       A expedição de Cabral nasceu do desejo do rei Dom Manuel I de vangloriar os até então recentes feitos portugueses ao mar, sendo o maior deles a chegada de Vasco da Gama as Índias. Além disso, pretendia uma demonstração de poder ao Reino da Espanha e a afirmação frente à Veneza, até então detentora do monopólio de especiarias na região do Mediterrâneo e suas adjacências. Os preparativos ocorreram às pressas, tendo os estaleiros portugueses trabalhado noite e dia na construção, aparelhamento e reparos nas embarcações que comporiam a esquadra. Além disso, a partida não poderia ocorrer depois de fins de março, visto que as monções -condição climática associada ao direcionamento dos ventos no sentido oeste-leste que permitia o atravessamento da África para Índia via Oceano Índico - se aproximavam. Por fim o conflito entre Vasco da Gama e Samorim de Calicute preocupava Dom Manuel, que queria resolver a questão, seja por meio do conflito armado, seja pela diplomacia ou pela sedução do ouro.
Ermida de São Jerônimo em Lisboa, ás margens do Tejo
         O dia da partida: domingo, 8 de março do ano de 1500, que na verdade foi só o dia do embarque. No porto da praia do Restelo, na foz do Rio Tejo, celebrações e festividades antecederam a partida da esquadra no dia seguinte. O rei Dom Manuel, sua corte e os banqueiros que financiaram aquela caríssima expedição se acomodaram na pequena Ermida de São Jerônimo ás margens do Tejo. Após o sermão do bispo de Ceuta, Dom Diogo Ortiz, Dom Manuel entregou a Pedro Álvares Cabral uma bandeira da Ordem dos Cavaleiros de Cristo - originária dos Cavaleiros Templários da Idade Média que se refugiaram em Portugal e foram acolhidos pelo Rei Dom Dinis após a extinção da Ordem pela aliança Felipe, o Belo e Papa Clemente V em 1314 – e logo em seguida partiram em procissão rumo ao porto. Inclusive a influência dos Cavaleiros de Cristo era grande, sendo perceptível a presença da Cruz de Copta, símbolo máximo da ordem, nas velas das embarcações portuguesas. Por fim, Dom Manuel estendeu a mão para que Cabral e seus Capitães a beijassem. Ao som de trombetas, flautas, tambores, pandeiros e gaitas, e com a população lisboeta concentrada na praia do Restelo, a expedição de Cabralp artiu em “direção ás Índias”.
      Ás doze horas do dia seguinte, 9 de março, a frota portuguesa pôs se em movimento. Entre os 1.500 tripulantes distribuídos em diversos postos e funções, muitos eram novatos.

A Frota

       A frota da expedição era dividida em duas divisões:
        A primeira divisão era composta por seis naus, duas caravelas, uma nau mercante e um pequeno navio de mantimentos, além da nau-capitânia e a sota capitânia. A Nau-Capitânia, embarcação onde viajava Cabral era formada por 190 homens, entre eles 80 marinheiros e 70 soldados, tradutores, frades, sua guarda pessoal além dos funcionários que cuidariam da feitoria, dentre os quais estavam Pero Vaz de Caminha. Entre os capitães das outras embarcações da frota de Cabral encontravam-se: Simão de Miranda de Azevedo, Aires Gom    es da Silva, Simão de Pina, Vasco de Ataíde, Nicolau Coelho (um dos maiores navegadores da história portuguesa, que também participara como capitão da nau Bérrio na expedição de Vasco da Gama), Gaspar Lemos, Pero de Ataíde, Nuno Leitão da Cunha e Luis Pires. Todos esses capitães eram muito bem remunerados, além disso, conforme sua posição hierárquica dentro da expedição, poderiam comerciar uma certa quantidade de mercadorias nas Índias elevando bastante seus ganhos.  O capital privado composto basicamente por banqueiros florentinos e genoveses teve papel fundamental na expedição, seja no financiamento da expedição seja no adiantamento dos salários dos tripulantes. Associados a comerciantes e nobres lusos, os banqueiros conquistaram também o direito de enviar duas embarcações mercantis junto da expedição.
       A segunda divisão era composta por uma caravela e uma nau, ambas com 80 e 150 homens á bordo, sob o comando do lendário Bartolomeu Dias e seu irmão Diogo Dias. Essa pequena divisão da frota de Cabral tinha por missão a criação de uma feitoria em Sofala, no atual território de Moçambique.

A tripulação
Belmonte - estátua de Pedro Álvares Cabral
Estátua de Cabral na Vila de Belmonte em Portugal
       Contando com a experiência de homens como os irmãos Dias, Nicolau Coelho e Pero de Escobar no comando dos marinheiros e da navegação, Cabral na verdade comandava um quartel que flutuava sobre os mares, levando soldados armados e naus equipadas com canhões, supostamente preparado para qualquer conflito com o Samorim e seus homens. Tais soldados, inexperientes em combates, eram recrutados a força entre os camponeses e muitos ainda nem tinha atingido a idade adulta. Além destes, como de tradição, vários religiosos iam á bordo entre eles o frei Dom Henrique Soares de Coimbra. Estes acreditavam estar viajando ao Oriente para encontrar-se com os cristãos que lá viviam, acreditando nos relatos de Vasco da Gama que acreditava que as representações dos deuses hindus consistiam em representações de santos católicos. A alimentação á bordo, pouco mudara desde as primeiras expedições. A água era escassa, os alimentos pereciam rapidamente já no início da viagem, seja pelas condições climáticas dos trópicos ou pelas péssimas condições de higiene das embarcações. O quadro de desnutrição e péssimas condições de higiene acometiam a tripulação e sujeitava-a a diversas enfermidades, sendo a mais temida o escoburto.
As condições de vida nas embarcações portuguesas foram recentemente tratadas em outro texto aqui no blog:A vida a bordo de uma embarcação portuguesa

Da praia do restelo a Ilha Vera Cruz

        Navegando na direção sudoeste, a frota de Cabral percorreu cerca de 700 milhas náuticas (cerca de 1.300 km) nos cinco primeiros dias da viagem, tudo graças aos bons ventos encontrados. Após ultrapassar as Canárias, e guiados pelos ventos alísios de nordeste a frota se direcionou a oeste rumo ás ilhas de Cabo Verde. No dia 23 de março de 1500, a nau comandada por Vasco de Ataíde desapareceu no mar. Após dois dias sem sinal da embarcação e de seus tripulantes, concluiu-se que o navio naufragara. A partir de agora, era uma embarcação e 150 homens a menos na expedição. Entre 29 e 30 de março o navio ficou imóvel em uma região de calmarias, na zona equatorial. Nos próximos 10 dias o navio se movimentaria muito pouco, em uma velocidade mínima. A monotonia tomava conta dos marujos nessas calmarias: jogos de carteados e romances de cavalaria ocupavam um pouco do tempo, embora fossem duramente reprimidos e condenados pelos religiosos. Em 9 de abril, a frota cruzava o equador. Seguindo as recomendações de Vasco da Gama, a frota seguiu rumo sudoeste e voltou a se deslocar com boa velocidade. As celebrações religiosas nas navegações eram muito comuns. Na costa brasileira, na altura de Salvador fora celebrado o domingo de Páscoa. Ao por do sol do dia 22 de abril de 1500 a frota de Cabral ancorava num ponto do litoral. No dia seguinte, ao amanhecer os homens da armada teriam uma visão que mudaria a nossa história: o Monte Pascal com as serras que o cercavam, as aves, as flores e homens nus que caminhavam pela praia. Continua.

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 A Expedição de Cabral - Parte II: A chegada a Ilha de Vera cruz

sábado, 4 de maio de 2013

A tomada de Ceuta: Início da Expansão Marítima ou causa dela?

O dia era 23 de julho do ano de 1415. De Portugal, uma gigantesca frota de navios partia em direção a Ceuta, entreposto árabe no norte da África. Amontoados em mais de 200 embarcações, 30 mil marinheiros e 50 mil soldados com cruzes pintadas e coladas ao peito (alguns historiadores falam em somente 20 mil homens), davam o aspecto de Guerra Santa á expedição, e de certa forma era isso mesmo que ela simbolizava. Explico. Naquela época, a Igreja em conflito de poder interno, possuía três papas: Gregório XII (em Roma), Bento XIII (em Avignon) e João XXII (em Pisa). As ameaças constantes a soberania portuguesa por parte da Coroa de Castela, forçara Portugal a estabelecer uma série de alianças, sendo que o casamento de Dom João de Avis e de Filipa de Lancaster, neta do Rei Eduardo III, era o selo da aliança com a Inglaterra. Enquanto Dom João apoiava o Papa Gregório, Castela apoiava o Papa Bento. Vislumbrando aumentar o seu prestígio junto á Igreja e afastar de vez a ameaça de Castela ao seu trono, Dom João chegou á conclusão de que um ataque vitorioso aos árabes infiéis possibilitaria essa estabilidade.

Painel representando a tomada de Ceuta
       A possibilidade de se apoderar de Ceuta animava os mercadores lusos entusiasmados com os possíveis lucros, assim como atendia o desejo do Rei que desejava provar o real valor de seus filhos Infantes em uma batalha. E mais: nos dias em que se antecederam ao embarque, o Papa Gregório XII publicou uma bula concedendo absolvição a todos que morressem no combate contra os infiéis. Após quase um mês no mar, no dia 14 de agosto, os portugueses invadiram a fortaleza que protegia a cidade de Ceuta. A cidade caiu sem muita resistência.
      Ceuta na verdade era a chave e a porta de entrada de todo comércio africano: a ela chegavam mercadorias de todo continente, além de mercadorias persas, indianas e até de Veneza. Mais de 24 mil lojas, nas quais se vendiam desde metais preciosos a especiarias se espalhavam pela cidade. Suas residências com paredes adornadas, tapetes orientais e fontes em pátios internos, tornava qualquer casa de Portugal um barraco. Sobre isso Gomes Zurara, biógrafo oficial do Infante D.Henrique, relatou: “Perto de essas, as melhores casas de Portugal parecem pocilgas”. Ceuta fora saqueada com os portugueses invadindo casas, lojas e bazares atrás de metais preciosos e de cadáveres foram arrancados orelhas e dedos para arrancar-lhes jóias. No fim do dia, a bandeira de Portugal era erguida demonstrando a quem pertencia Ceuta agora.
      Para concretizar e não perder a simbologia daquela conquista, no dia seguinte a Mesquita da cidade foi transformada em Catedral cristã.A notícia da tomada de Ceuta foi divulgada por toda Europa, elevando Portugal e o Rei Dom João a outro patamar aos olhos dos Reinos Cristãos e da Santa Sé. Os mouros tentaram retomar a cidade por duas ocasiões, nos anos de 1418 e 1419. Além disso, consistia um grande problema a manutenção da cidade para a coroa, uma vez que ela era extremamente onerosa, já que a coroa enviava suprimentos, armas e soldados para a defesa da cidade. Após a recusa de muitos em administrar a cidade ela foi entregue por Dom João I nas mãos de Dom Pedro de Meneses, o conde de Viana.
  
      Porém com o fim do controle árabe-muçulmano na cidade, as caravanas carregadas de ouro que se dirigiam a cidade, tomaram outra direção: Tanger e Tunis. A cidade ficou estagnada. Em 1418, já feito Cavaleiro, D. Henrique retornou a cidade. Percebendo o problema no comércio da cidade, o Infante arrancou sob tortura dos mercadores da cidade de onde vinham as riquezas da cidade: á 20 dias ao sul da cidade, montados em camelos e atravessando as montanhas da cordilheira Atlas, os mercadores chegavam a algum lugar próximo a cidade de Timbuctu, no Mali. Ali os mercadores expunham mercadorias sem muito valor. Os homens das tribos locais se aproximavam e colocavam ao lado das mercadorias a quantidade de ouro que julgavam valer. Conforme a quantidade de ouro a proposta era aceita, e os compradores retiravam-nas. Quando não, os mercadores reduziam a quantidade de mercadoria, e o negócio só terminava quando a totalidade era retirada. Por não conhecerem as línguas um dos outros esse era o chamado “comércio mudo”. As caravanas que se dirigiam de Celta até a região chegavam a contar com até 12 mil camelos. 
        Sabendo das adversidades para se chegar ao local, e acreditando nos indícios de que a região ficava nas proximidades da foz de um rio que desaguava no Atlântico, ao sul das Canárias, Dom Henrique começou a acreditar que a melhor maneira de chegar á região e bloquear a passagem dos árabes, seria por mar margeando as Canárias e a costa da Guiné. Por esse novo desafio estava lançada a pedra fundamental da expansão ultramarina portuguesa, que inicialmente pretendia chegar á região conhecida a época como Guiné, no litoral do Senegal e tomar o controle do comércio das mãos dos marroquinos. Foi somente no reinado de Dom João II, entre os anos de 1481 e 1495 que os planos para atingir as Índias começaram a ser pensados.