O dia era 23 de julho
do ano de 1415. De Portugal, uma gigantesca frota de navios partia em direção a
Ceuta, entreposto árabe no norte da África. Amontoados em mais de 200 embarcações,
30 mil marinheiros e 50 mil soldados com cruzes pintadas e coladas ao peito
(alguns historiadores falam em somente 20 mil homens), davam o aspecto de Guerra
Santa á expedição, e de certa forma era isso mesmo que ela simbolizava.
Explico. Naquela época, a Igreja em conflito de poder interno, possuía três
papas: Gregório XII (em Roma), Bento XIII (em Avignon) e João XXII (em Pisa). As
ameaças constantes a soberania portuguesa por parte da Coroa de Castela,
forçara Portugal a estabelecer uma série de alianças, sendo que o casamento de
Dom João de Avis e de Filipa de Lancaster, neta do Rei Eduardo III, era o selo
da aliança com a Inglaterra. Enquanto Dom João apoiava o Papa Gregório, Castela
apoiava o Papa Bento. Vislumbrando aumentar o seu prestígio junto á Igreja e
afastar de vez a ameaça de Castela ao seu trono, Dom João chegou á conclusão de
que um ataque vitorioso aos árabes infiéis possibilitaria essa estabilidade.
A
possibilidade de se apoderar de Ceuta animava os mercadores lusos entusiasmados
com os possíveis lucros, assim como atendia o desejo do Rei que desejava provar
o real valor de seus filhos Infantes em uma batalha. E mais: nos dias em que se
antecederam ao embarque, o Papa Gregório XII publicou uma bula concedendo absolvição
a todos que morressem no combate contra os infiéis. Após quase um mês no mar,
no dia 14 de agosto, os portugueses invadiram a fortaleza que protegia a cidade
de Ceuta. A cidade caiu sem muita resistência.
Ceuta
na verdade era a chave e a porta de entrada de todo comércio africano: a ela
chegavam mercadorias de todo continente, além de mercadorias persas, indianas e
até de Veneza. Mais de 24 mil lojas, nas quais se vendiam desde metais
preciosos a especiarias se espalhavam pela cidade. Suas residências com paredes
adornadas, tapetes orientais e fontes em pátios internos, tornava qualquer casa
de Portugal um barraco. Sobre isso Gomes Zurara, biógrafo oficial do Infante
D.Henrique, relatou: “Perto de essas, as
melhores casas de Portugal parecem pocilgas”. Ceuta fora saqueada com os
portugueses invadindo casas, lojas e bazares atrás de metais preciosos e de
cadáveres foram arrancados orelhas e dedos para arrancar-lhes jóias. No fim do
dia, a bandeira de Portugal era erguida demonstrando a quem pertencia Ceuta
agora.
Para
concretizar e não perder a simbologia daquela conquista, no dia seguinte a
Mesquita da cidade foi transformada em Catedral cristã.A notícia da tomada de
Ceuta foi divulgada por toda Europa, elevando Portugal e o Rei Dom João a outro
patamar aos olhos dos Reinos Cristãos e da Santa Sé. Os mouros tentaram retomar
a cidade por duas ocasiões, nos anos de 1418 e 1419. Além disso, consistia um
grande problema a manutenção da cidade para a coroa, uma vez que ela era
extremamente onerosa, já que a coroa enviava suprimentos, armas e soldados para
a defesa da cidade. Após a recusa de muitos em administrar a cidade ela foi
entregue por Dom João I nas mãos de Dom Pedro de Meneses, o conde de Viana.
Porém com o fim do controle árabe-muçulmano
na cidade, as caravanas carregadas de ouro que se dirigiam a cidade, tomaram
outra direção: Tanger e Tunis. A cidade ficou estagnada. Em 1418, já feito
Cavaleiro, D. Henrique retornou a cidade. Percebendo o problema no comércio da
cidade, o Infante arrancou sob tortura dos mercadores da cidade de onde vinham
as riquezas da cidade: á 20 dias ao sul da cidade, montados em camelos e
atravessando as montanhas da cordilheira Atlas, os mercadores chegavam a algum
lugar próximo a cidade de Timbuctu, no Mali. Ali os mercadores expunham
mercadorias sem muito valor. Os homens das tribos locais se aproximavam e
colocavam ao lado das mercadorias a quantidade de ouro que julgavam valer.
Conforme a quantidade de ouro a proposta era aceita, e os compradores
retiravam-nas. Quando não, os mercadores reduziam a quantidade de mercadoria, e
o negócio só terminava quando a totalidade era retirada. Por não conhecerem as
línguas um dos outros esse era o chamado “comércio mudo”. As caravanas que se
dirigiam de Celta até a região chegavam a contar com até 12 mil camelos.
Sabendo das adversidades para se chegar
ao local, e acreditando nos indícios de que a região ficava nas proximidades da
foz de um rio que desaguava no Atlântico, ao sul das Canárias, Dom Henrique
começou a acreditar que a melhor maneira de chegar á região e bloquear a
passagem dos árabes, seria por mar margeando as Canárias e a costa da Guiné.
Por esse novo desafio estava lançada a pedra fundamental da expansão
ultramarina portuguesa, que inicialmente pretendia chegar á região conhecida a
época como Guiné, no litoral do Senegal e tomar o controle do comércio das mãos
dos marroquinos. Foi somente no reinado de Dom João II, entre os anos de 1481 e
1495 que os planos para atingir as Índias começaram a ser pensados.
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