domingo, 12 de maio de 2013

A Expedição de Cabral – Parte II: A chegada a Ilha de Vera Cruz

   Primeiros contatos com as tribos de Vera Cruz 
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Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro em 1500 - Oscar Pereira da Silva, 1902.

    23 de abril de 1500. Ao alvorecer, os navios de Cabral permaneciam ancorados a 36 km da costa. Já nas primeiras horas essa distância seria vencida, e logo estariam a 3 km da praia na foz de um pequeno rio, e ao fundo encontrava-se o monte Pascal. Pelas areias da praia 7 ou 8 homens surgiram e logo uns 20 estariam aglomerados por ali. Após se reunir com seus capitães na nau-capitânia, Cabral decidiu enviar Nicolau Coelho, Gaspar da Gama - o judeu da índia, que falava árabe e dialetos hindus – um escravo de Angola, mais um tripulante da Guiné.  A bordo de um pequeno batel, ao chegar a foz de um pequeno rio, os portugueses incumbidos do primeiro contato ficaram perplexos: homens pardos e nus, sem nada que lhes cobrissem as vergonhas, cabelos coloridos, corpos depilados e pintados com tintura de jenipapo, penas coloridas na cabeça e nas orelhas. Ao se aproximar da terra firme, os nativos cercaram o bote armados com arcos e setas (flechas) impregnadas de venenoso sumo de mandioca. Nicolau ao perceber que poderiam ser atacados fez sinal para que abaixassem as armas. Antes de descerem do pequeno bote, jogou a praia um gorro vermelho – típico dos tripulantes portugueses – e sua carapuça de linho. Os indígenas instantaneamente lhe retribuíram com um cocar de penas de aves e com um colar de contas brancas. Assim se deu o primeiro contato. Os indígenas encontrados no sul da Bahia por Cabral se tratavam da tribo dos Tupiniquins, pertencentes ao grande grupo Tupi-Guarani. Ao passar do dia, Nicolau Coelho voltou a nau para se reunir com Cabral e os outros capitães, levando seus presentes e a primeira impressão que aquele estranho povo lhe causara. A noite foi chuvosa, tendo alguns navios se “desgarrado do restante”, porém não foram muito longe. No límpido dia que se seguiu os portugueses ergueram as âncoras e partiram ao norte em busca de um lugar onde pudessem reabastecer-se  de lenha e água fresca.  Após percorrer cerca de 65 km, a frota ancorou-se na foz do rio Mutari, nas proximidades da atual cidade de Porto Seguro.

O dia em que os índios descobriram a cruz e os portugueses
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A primeira missa, Victor Meirelles - 1860

Logo ao ancorar na foz do Mutari, Cabral logo tratou de designar Afonso Lopes, piloto da nau-capitânia para sondar o porto, a bordo de um esquife (pequeno barco). Logo de cara, se deparou no interior da baía com dois homens de fisionomia idêntica aos encontrados no dia anterior, que foram capturados e levados a presença de Cabral e seus capitães. Ao encontro, a imagem daqueles portugueses de sangue nobre, pouco impressionaram os índios. Já a reação dos portugueses foi bem impactante. Sobre o aspecto daqueles nativos, Pero Vaz de Caminha relatou: “a feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem-feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura. Não fazem o menor caso de cobrir suas vergonhas, e nisso são tão inocentes quanto em mostrar o rosto”. Outra coisa que chamara atenção foram os adornos que carregavam no beiços, seus enfeites e plumas. No navio de tudo lhes fora servido, quase tudo rejeitado ou cuspido. Ao cair da noite dormiram no convés.
Ao raiar o sol no dia seguinte, sábado 25 de abril, Cabral ordenou que os navios adentrassem a baía, por se tratar de lugar seguro. Ao ancorar pediu a Nicolau Coelho e Bartolomeu Dias que levassem aqueles homens a terra firme, porém antes presenteou os nativos com camisas, toucas vermelhas e um rosário. Além disso, os portugueses aproveitariam a ida à praia para encher os tonéis dos navios com água fresca.
Ao desembarcar na praia mais de vinte nativos estavam ali e ajudaram os portugueses a encher os tonéis de água. Como agradecimento, os índios receberam miçangas e guizos. Ainda na praia, os tripulantes que ali estavam viram as primeiras mulheres. Sobre elas também relatara Caminha: “tão moças e tão gentis, com cabelos muito pretos e compridos, e suas vergonhas tão altas, tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha”. Ao cair da tarde os portugueses retornaram as suas naus.
No dia seguinte, domingo 26 de abri, domingo de “pascoela” (o primeiro após a páscoa), Cabral ordenou que um altar fosse erguido na parte emersa do ilhéu da Coroa Vermelha. Ali, Dom Henrique e seus frades cantaram a missa.  Durante a missa, a praia se encheu de nativos que ficaram perplexos com os rituais complexos da missa católica. Ao término da missa, os indígenas se colocaram a cantar e dançar por algum tempo. Após a reunião com seus capitães e o almoço a bordo, os tripulantes foram dispensados para a tarde de folga. Muitos foram para praia, inclusive Diogo Dias que levou seu gaiteiro e se pôs a dançar com os índios. Naquela tarde tudo era festa. Foi nesse contexto que Caminha fixara a imagem do “bom selvagem” na carta ao Rei Dom Manuel.
Na segunda-feira 27 de abril, a ida de portugueses ao litoral e o reabastecimento continuaram, assim como o escambo entre lusos e nativos. Gorros vermelhos eram trocados por papagaios e araras. Pela graciosidade e diversidade dessas aves a terra de Vera Cruz foi conhecida por certo tempo como A Terra dos Papagaios. No fim da tarde, Afonso Ribeiro e Diogo Dias acompanhados por outros dois homens caminharam por cerca de 10 km até chegar à aldeia. ”Na povoação havia nove ou dez casa, tão compridas cada uma, como essa nau capitânia. Eram de madeira, cobertas de palha; todas duma só peça, sem nenhum repartimento” conforme relatou Caminha. Nessas casas havia muitas redes e em cada uma se acomodavam entre 30 e 40 nativos. Naquela noite, os portugueses que lá estavam foram convidados a cear, porém foram impedidos de pernoitar por lá.
      Na quarta 29 de abril, iniciavam-se os preparativos para a partida dos portugueses. O pequeno navio de mantimentos (“naveta”) foi esvaziado e sua carga foi distribuída entre as outras naus. Caberia a essa pequena embarcação levar a notícia a el-rei Dom Manuel sobre a “descoberta” do novo território. No ultimo dia do mês de abril, ao ira apanhar mais lenha e água os navegantes lusos se depararam com uma pequena multidão de cerca de 400 nativos, dispostos a ajudá-los na tarefa e pela primeira vez estavam desarmados.
Na sexta, primeiro dia de maio fora erguida a primeira cruz na terra “recém - descoberta”. Portando bandeiras da Ordem de Cristo, mais de mil homens seguiram rumo ao rio Mutari cantando em procissão, a qual logo se juntou 150 nativos. Ao chegar ao meio da baía, a cruz foi fincada. Os portugueses se ajoelharam e a maioria dos nativos presentes também. Era a segunda missa no “Brasil”. Dom Henrique pregou aos presentes e ao fim seus freis distribuíram crucifixos de estanho aos indígenas. A cruz tinha por intenção ao mesmo tempo simbolizar a devoção daqueles navegantes e assegurar a posse da terra a el-rei Dom Manuel.
No dia 2 de abril, a nau de mantimentos sob o comando de Gaspar Lemos seguiu em direção a Portugal, levando amostras vegetais, animais e minerais recolhidos na nova terra. Arcos, flechas, cocares, bodoques, pedras de pequeno valor além das primeiras toras de pau-brasil extraídas na região e das araras dadas pelos nativos foram mandados para Lisboa. Junto à tripulação, um tupiniquim também partia. Este seria recebido com alegria e festa pelo rei. Junto à notícia iam também as cartas que Cabral, seus capitães, os escrivães, os fidalgos mais nobres e os principais religiosos escreveram ao Rei, entre elas a Carta de Pero Vaz de Caminha, e também cartas e mensagens enviadas pelos tripulantes aos seus familiares. Por vezes essa nau é chamada de Nau das Saudades, uma vez que a maioria dos marujos que enviaram suas cartas jamais regressaria.

A Carta de Pero Vaz de Caminha
Ficheiro:Reading of the letter of Caminha.jpg 
Francisco Aurélio de Figueiredo e Melo, Caminha lê a carta a Cabral e Dom Henrique 
 
A Carta de Pero Vaz de Caminha é considerada a fonte mais confiável e detalhada para a reconstituição dos primeiros dias no Brasil, sendo que nenhum outro documento sobre o fato é tão preciso e bem redigido como a carta escrita por Caminha, ainda em Porto Seguro a bordo da nau capitânia, antes do prosseguimento da expedição as Índias. Na verdade, o escrivão oficial da expedição era Gonçalo Gil Barbosa. Mas se Caminha não era o escrivão da expedição onde ele se encaixava dentro da expedição?

 Ficheiro:Carta-caminha.png
Face original da Carta a El-Rei Dom Manuel

Caminha tinha sido “escalado” para ser o escrivão da feitoria que Cabral pretendia fundar em Calicute. Na época ele tinha em torno de 50 anos de idade e era membro da “burocracia letrada e média, mais próxima da burguesia do que da autêntica nobreza”, como afirma Jaime Cortesão. Com o tempo a obra de Caminha caiu na obscuridade e ficou esquecida no Arquivo Nacional na Torre do Tombo. Assim, outras obras passaram a ser referência para o primeiro contato entre lusos e indígenas, assim como a viagem de Cabral. Em 1817, o Padre Manuel Aires do Casal encontrou uma cópia da carta no Arquivo da Marinha Real do Rio de Janeiro, que a reproduziu e tornou-a pública. Com a Independência em 1822 ela ganhou particular importância para o Brasil, por se tratar do primeiro registro de sua existência.  
Continua.

Notas:
  1.  O termo descobrimento fora utilizado entre parênteses devido a sua carga de eurocentrismo, o que denota que a posse da terra pertencia a Portugal, rejeitando que por aqui já houvesse habitantes, no caso os povos nativos.
  2.  Teorias sobre o “descobrimento” são amplamente divulgadas. Uma corrente defende a casualidade, outra a intencionalidade da descoberta. Existem indícios que a chegada ao território tenha sido intencional, portanto até hoje não se chegou á uma conclusão definitiva.
  3. Outra polêmica se refere a expedições luso-espanholas que antecederam a de Cabral e navegaram pela costa do Brasil e foz do Amazonas. Suas conseqüências foram irrelevantes, sendo a de Cabral a que causou mais efeitos – a incorporação do território aos domínios portugueses e de forma lenta. Sobre isso, Capistrano de Abreu afirma que o “descobrimento sociológico” coube mesmo aos lusos.

Críticas e sugestões:
caminhosdahistoria@hotmail.com

Continuação em:
A Expedição de Cabral - Parte III: Da partida de Vera Cruz as Índias

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