Primeiros contatos com as tribos de Vera Cruz
Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro em 1500 - Oscar Pereira da Silva, 1902.
23 de abril de 1500. Ao alvorecer, os navios
de Cabral permaneciam ancorados a 36 km da costa. Já nas primeiras horas essa
distância seria vencida, e logo estariam a 3 km da praia na foz de um pequeno rio,
e ao fundo encontrava-se o monte Pascal. Pelas areias da praia 7 ou 8 homens
surgiram e logo uns 20 estariam aglomerados por ali. Após se reunir com seus
capitães na nau-capitânia, Cabral decidiu enviar Nicolau Coelho, Gaspar da Gama
- o judeu da índia, que falava árabe e dialetos hindus – um escravo de Angola,
mais um tripulante da Guiné. A bordo de
um pequeno batel, ao chegar a foz de um pequeno rio, os portugueses incumbidos
do primeiro contato ficaram perplexos: homens pardos e nus, sem nada que lhes
cobrissem as vergonhas, cabelos coloridos, corpos depilados e pintados com tintura
de jenipapo, penas coloridas na cabeça e nas orelhas. Ao se aproximar da terra
firme, os nativos cercaram o bote armados com arcos e setas (flechas)
impregnadas de venenoso sumo de mandioca. Nicolau ao perceber que poderiam ser
atacados fez sinal para que abaixassem as armas. Antes de descerem do pequeno
bote, jogou a praia um gorro vermelho – típico dos tripulantes portugueses – e sua
carapuça de linho. Os indígenas instantaneamente lhe retribuíram com um cocar
de penas de aves e com um colar de contas brancas. Assim se deu o primeiro
contato. Os indígenas encontrados no sul da Bahia por Cabral se tratavam da
tribo dos Tupiniquins, pertencentes ao grande grupo Tupi-Guarani. Ao passar do
dia, Nicolau Coelho voltou a nau para se reunir com Cabral e os outros
capitães, levando seus presentes e a primeira impressão que aquele estranho
povo lhe causara. A noite foi chuvosa, tendo alguns navios se “desgarrado do
restante”, porém não foram muito longe. No límpido dia que se seguiu os
portugueses ergueram as âncoras e partiram ao norte em busca de um lugar onde
pudessem reabastecer-se de lenha e água fresca. Após percorrer cerca de 65 km, a frota ancorou-se
na foz do rio Mutari, nas proximidades da atual cidade de Porto Seguro.
O dia em que os índios descobriram a cruz e os portugueses
A primeira missa, Victor Meirelles - 1860
Logo
ao ancorar na foz do Mutari, Cabral logo tratou de designar Afonso Lopes,
piloto da nau-capitânia para sondar o porto, a bordo de um esquife (pequeno
barco). Logo de cara, se deparou no interior da baía com dois homens de
fisionomia idêntica aos encontrados no dia anterior, que foram capturados e
levados a presença de Cabral e seus capitães. Ao encontro, a imagem daqueles
portugueses de sangue nobre, pouco impressionaram os índios. Já a reação dos
portugueses foi bem impactante. Sobre o aspecto daqueles nativos, Pero Vaz de
Caminha relatou: “a feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de
bons rostos e bons narizes, bem-feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura. Não
fazem o menor caso de cobrir suas vergonhas, e nisso são tão inocentes quanto
em mostrar o rosto”. Outra coisa que chamara atenção foram os adornos que
carregavam no beiços, seus enfeites e plumas. No navio de tudo lhes fora servido,
quase tudo rejeitado ou cuspido. Ao cair da noite dormiram no convés.
Ao
raiar o sol no dia seguinte, sábado 25 de abril, Cabral ordenou que os navios
adentrassem a baía, por se tratar de lugar seguro. Ao ancorar pediu a Nicolau
Coelho e Bartolomeu Dias que levassem aqueles homens a terra firme, porém antes
presenteou os nativos com camisas, toucas vermelhas e um rosário. Além disso, os
portugueses aproveitariam a ida à praia para encher os tonéis dos navios com
água fresca.
Ao
desembarcar na praia mais de vinte nativos estavam ali e ajudaram os
portugueses a encher os tonéis de água. Como agradecimento, os índios receberam
miçangas e guizos. Ainda na praia, os tripulantes que ali estavam viram as
primeiras mulheres. Sobre elas também relatara Caminha: “tão moças e tão
gentis, com cabelos muito pretos e compridos, e suas vergonhas tão altas, tão
cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos, não tínhamos
nenhuma vergonha”. Ao cair da tarde os portugueses retornaram as suas naus.
No
dia seguinte, domingo 26 de abri, domingo de “pascoela” (o primeiro após a
páscoa), Cabral ordenou que um altar fosse erguido na parte emersa do ilhéu da
Coroa Vermelha. Ali, Dom Henrique e seus frades cantaram a missa. Durante a missa, a praia se encheu de nativos
que ficaram perplexos com os rituais complexos da missa católica. Ao término da
missa, os indígenas se colocaram a cantar e dançar por algum tempo. Após a
reunião com seus capitães e o almoço a bordo, os tripulantes foram dispensados
para a tarde de folga. Muitos foram para praia, inclusive Diogo Dias que levou
seu gaiteiro e se pôs a dançar com os índios. Naquela tarde tudo era festa. Foi
nesse contexto que Caminha fixara a imagem do “bom selvagem” na carta ao Rei
Dom Manuel.
Na
segunda-feira 27 de abril, a ida de portugueses ao litoral e o reabastecimento
continuaram, assim como o escambo entre lusos e nativos. Gorros vermelhos eram
trocados por papagaios e araras. Pela graciosidade e diversidade dessas aves a
terra de Vera Cruz foi conhecida por certo tempo como A Terra dos Papagaios. No
fim da tarde, Afonso Ribeiro e Diogo Dias acompanhados por outros dois homens
caminharam por cerca de 10 km até chegar à aldeia. ”Na povoação havia nove ou
dez casa, tão compridas cada uma, como essa nau capitânia. Eram de madeira,
cobertas de palha; todas duma só peça, sem nenhum repartimento” conforme
relatou Caminha. Nessas casas havia muitas redes e em cada uma se acomodavam
entre 30 e 40 nativos. Naquela noite, os
portugueses que lá estavam foram convidados a cear, porém foram impedidos de
pernoitar por lá.
Na quarta 29 de abril, iniciavam-se os preparativos
para a partida dos portugueses. O pequeno navio de mantimentos (“naveta”) foi
esvaziado e sua carga foi distribuída entre as outras naus. Caberia a essa
pequena embarcação levar a notícia a el-rei Dom Manuel sobre a “descoberta” do
novo território. No ultimo dia do mês de abril, ao ira apanhar mais lenha e água
os navegantes lusos se depararam com uma pequena multidão de cerca de 400
nativos, dispostos a ajudá-los na tarefa e pela primeira vez estavam
desarmados.
Na
sexta, primeiro dia de maio fora erguida a primeira cruz na terra “recém - descoberta”.
Portando bandeiras da Ordem de Cristo, mais de mil homens seguiram rumo ao rio
Mutari cantando em procissão, a qual logo se juntou 150 nativos. Ao chegar ao
meio da baía, a cruz foi fincada. Os portugueses se ajoelharam e a maioria dos
nativos presentes também. Era a segunda missa no “Brasil”. Dom Henrique pregou
aos presentes e ao fim seus freis distribuíram crucifixos de estanho aos
indígenas. A cruz tinha por intenção ao mesmo tempo simbolizar a devoção
daqueles navegantes e assegurar a posse da terra a el-rei Dom Manuel.
No
dia 2 de abril, a nau de mantimentos sob o comando de Gaspar Lemos seguiu em
direção a Portugal, levando amostras vegetais, animais e minerais recolhidos na
nova terra. Arcos, flechas, cocares, bodoques, pedras de pequeno valor além das
primeiras toras de pau-brasil extraídas na região e das araras dadas pelos
nativos foram mandados para Lisboa. Junto à tripulação, um tupiniquim também
partia. Este seria recebido com alegria e festa pelo rei. Junto à notícia iam
também as cartas que Cabral, seus capitães, os escrivães, os fidalgos mais
nobres e os principais religiosos escreveram ao Rei, entre elas a Carta de Pero
Vaz de Caminha, e também cartas e mensagens enviadas pelos tripulantes aos seus
familiares. Por vezes essa nau é chamada de Nau das Saudades, uma vez que a
maioria dos marujos que enviaram suas cartas jamais regressaria.
A Carta de Pero Vaz de Caminha
Francisco Aurélio de Figueiredo e Melo, Caminha lê a carta a Cabral e Dom Henrique
A
Carta de Pero Vaz de Caminha é considerada a fonte mais confiável e detalhada
para a reconstituição dos primeiros dias no Brasil, sendo que nenhum outro
documento sobre o fato é tão preciso e bem redigido como a carta escrita por
Caminha, ainda em Porto Seguro a bordo da nau capitânia, antes do prosseguimento
da expedição as Índias. Na verdade, o escrivão oficial da expedição era Gonçalo
Gil Barbosa. Mas se Caminha não era o escrivão da expedição onde ele se
encaixava dentro da expedição?
Face original da Carta a El-Rei Dom Manuel
Caminha
tinha sido “escalado” para ser o escrivão da feitoria que Cabral pretendia
fundar em Calicute. Na época ele tinha em torno de 50 anos de idade e era
membro da “burocracia letrada e média, mais próxima da burguesia do que da
autêntica nobreza”, como afirma Jaime Cortesão. Com o tempo a obra de Caminha
caiu na obscuridade e ficou esquecida no Arquivo Nacional na Torre do Tombo. Assim,
outras obras passaram a ser referência para o primeiro contato entre lusos e
indígenas, assim como a viagem de Cabral. Em 1817, o Padre Manuel Aires do
Casal encontrou uma cópia da carta no Arquivo da Marinha Real do Rio de
Janeiro, que a reproduziu e tornou-a pública. Com a Independência em 1822 ela
ganhou particular importância para o Brasil, por se tratar do primeiro registro
de sua existência.
Continua.
Notas:
- O termo descobrimento fora utilizado entre parênteses devido a sua carga de eurocentrismo, o que denota que a posse da terra pertencia a Portugal, rejeitando que por aqui já houvesse habitantes, no caso os povos nativos.
- Teorias sobre o “descobrimento” são amplamente divulgadas. Uma corrente defende a casualidade, outra a intencionalidade da descoberta. Existem indícios que a chegada ao território tenha sido intencional, portanto até hoje não se chegou á uma conclusão definitiva.
- Outra polêmica se refere a expedições luso-espanholas que antecederam a de Cabral e navegaram pela costa do Brasil e foz do Amazonas. Suas conseqüências foram irrelevantes, sendo a de Cabral a que causou mais efeitos – a incorporação do território aos domínios portugueses e de forma lenta. Sobre isso, Capistrano de Abreu afirma que o “descobrimento sociológico” coube mesmo aos lusos.
Críticas e sugestões:
caminhosdahistoria@hotmail.com
Continuação em:
A Expedição de Cabral - Parte III: Da partida de Vera Cruz as Índias
Continuação em:
A Expedição de Cabral - Parte III: Da partida de Vera Cruz as Índias
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